Mulheres de Santiago divulgam nota sobre o Golpe de 64 Postado domingo, 31 de março de 2019 ás 13:33
Mulheres Santiaguenses
A passagem de 55 anos do malsinado golpe militar que instituiu a ditadura no
Brasil exige uma reflexão. Nós, mulheres, que lutamos pela igualdade, pelo respeito e
pelo direito de decidir livremente sobre nossas vidas e nossos corpos sabemos que
nosso esforço é parte integrante de uma luta maior contra as desigualdades sociais,
contra o machismo, a violência, o patriarcado, os privilégios de uma elite que se diz (e
age como se fosse) proprietária do Brasil e contra todas as formas de opressão. Só isso
já seria motivo suficiente para repudiar a ditadura e denunciar qualquer forma de
opressão.
Mas nesta data, queremos considerar alguns fatos.
A ditadura militar brasileira deixou centenas de mortos e desaparecidos
políticos.
Fez uso generalizado da tortura e do estupro para combater seus adversários e
opositores; além de prender e torturar crianças, como expôs a investigação da Comissão
da Verdade, o que causou um sofrimento indescritível às vítimas.
Por isso, perguntamos: é sensato comemorar um regime em que pessoas foram
perseguidas, torturadas e assassinadas?
Durante esse nefasto período, a censura e falta de liberdade de imprensa
impediam a denúncia de casos de corrupção no serviço público, praga que, nas décadas
seguintes, se espalhou para todos os setores da nossa economia e terminou
contaminando a classe política.
Entretanto, nós mulheres não ficamos paradas.
A resistência à ditadura militar contou com a participação ativa e protagonista
de muitas mulheres que resistiram ao regime.
Não foram apenas as jovens mulheres de classe média e universitárias que se
organizaram durante o regime militar. Nas comunidades começaram a surgir lideranças
femininas que percebiam as dificuldades socioeconômicas e políticas a partir das
dificuldades de seu cotidiano e se reuniam nos movimentos de bairro.
Nesses encontros, elas se uniam para pressionar o poder público por melhores
condições de vida, lutando por moradia, escolas, postos de saúde, transporte coletivo,
creches. Eram donas de casa, trabalhadoras urbanas, faxineiras, empregadas
domésticas, comerciárias. Pessoas que, pelos laços de vizinhança e solidariedade,
desenvolvidos para enfrentar a dura sobrevivência, se reuniram e criaram uma forma
de organização e participação social das mulheres, em plena ditadura militar, e
acabaram desenvolvendo uma pauta própria de reivindicações, que incluía respeito dos
seus companheiros, denúncias de violências domésticas e igualdade de oportunidades.
Assim surgiram os clubes de mães, as associações de bairros, a oposição sindical,
as comunidades eclesiais de base, o movimento contra o custo de vida. Isso tudo no
período mais violento da ditadura militar, de 1970 a 1974, durante o governo do general
Médici.
Desafiamos o papel feminino tradicional, a passividade e domesticidade que a
sociedade da época nos atribuía e enfrentamos o machismo espalhado em todos os
setores.
Também participamos do movimento estudantil, partidos, sindicatos e
organizações. Ainda que sempre em menor número que os homens, pegamos em
armas, na tentativa de derrubar o regime militar.
Pelo menos uma centena de mulheres tomaram parte diretamente na luta
armada de forma corajosa e arrojada. Muitas delas foram presas e outras tantas
assassinadas.
Não foi a quantidade de mulheres participando dessas organizações que rompeu
com os papeis tradicionais, mas a qualidade dessa atuação.
Rompiam, assim, com estereótipos do que é ser mulher, ocupando o espaço
público, a política, e até a luta armada. Por isso mesmo, quando eram capturadas pelo
regime, as forças repressoras tentavam recolocá-las em seu “devido lugar”. A própria
tortura das mulheres era diferente daquela destinada aos homens. Para além das
perversidades que eles sofriam, elas foram alvo sistemático de violência sexual. Muitas
grávidas sofreram abortamentos forçados durante as sessões de tortura. Em outros
casos, eram aplicados choques elétricos em seus órgãos genitais, com ameaças de que
não conseguiriam mais engravidar, foram estupradas por vários agentes do estado. Nem
as crianças eram poupadas do terror: algumas mulheres foram torturadas em frente a
seus filhos ou foram impedidas de amamentá-los. Crianças também foram torturadas
física e psicologicamente para atingir suas mães.
Eram chamadas de “vagabundas” e “prostitutas” e eram obrigadas a ficar nuas
em frente aos seus carrascos. Seus relatos possuem uma conotação de sofrimento
imensurável.
Além de militantes de base e lideranças políticas, as mulheres tinham outras
facetas que se tornaram importantes na luta pela anistia e pelos direitos humanos:
companheiras, mães, filhas, irmãs, organizadas nas mais diversas formas de luta,
procurando por maridos, filhas e filhos, pais, irmãos, incansáveis diante dos portões dos
presídios. Essas mulheres se conheceram, uniram-se e formaram comissões de
familiares de presos e desaparecidos, lideraram e lutaram pela anistia, em diversas
organizações.
O Brasil que temos hoje, atrasado economicamente, injusto socialmente e
diariamente saqueado pela corrupção não surgiu de um dia para outro. Esse Brasil atual
foi plantado a 55 anos atrás. Hoje nós colhemos os amargos frutos da árvore plantada
em 1964.
Quando o então presidente fixou na porta do seu gabinete um cartaz com a frase
“quem procura osso é cachorro”, referindo-se às famílias das vítimas da ditadura que
até hoje não conseguiram encontrar os corpos de seus entes queridos, vemos que o
medo e a ameaça continuam.
O que houve em 1964 também não foi de uma hora para outra. A democracia
brasileira está muito entre aspas.
Agora, 55 anos depois, nós devemos continuar trabalhando não só para evitar
que períodos assim ocorram novamente, mas - principalmente - para resolver a herança
maldita da ditadura. O Brasil é um paciente que continua sofrendo muitos anos depois
do acidente que o vitimou.
Por isso reiteramos: Ditadura nunca mais! Lembrar para nunca esquecer e para
nunca mais se repetir. Ditadura não se comemora, se repudia.
Movimento Santiaguense Coletivo Sobre Elas
Parabéns a estas mulheres valentes, corajosas e acima de tudo conectadas a realidade.
Por favor agora a culpa da corrupção instaurada e legalizada por politicos corruptos e culpa do regime militar, tenha a santa paciência, houve excessos com certeza no regime, porém se não tivesse ocorrido hoje seríamos uma Cuba ou Venezuela, isso é fato e pode ser comprovado com pesquisas isentas, e querem falar de mortes vamos falar das milhares que ocorrem todo ano no nosso país, então vamos deixar de cinismo. Outra pergunta quem são essas pessoas que assinam essa nota? Não seriam as mesmas que defendem esses políticos corruptos?